03/06/2018

ovento [iii]




De olhos semicerrados, postos no horizonte, nada parece existir para além do que aparenta ser apenas o além.
que estranho o voo das aves. rodopiam no ar quente elevando-se no infinito sem esforço, sem um querer mas, rés ao chão, deambulam corpos desenhados a pó deixando adivinhar um destino difícil de vislumbrar.
ele entre eles. ele de olhos postos nas aves.
[perdi-me?]
e há um vento que fustiga e um sol que queima. e os lábios. tão secos.
[perdi-me?]
-não, é quase ali.
[a árvore?]
-sim, a árvore. é para lá que vão. siga-os.
[sigo-os.]
se os trovões, que ao longe se ouvem, anunciarem chuva, será de novo branco o ocre que já me cobre.

19/04/2018

a respiração do silêncio [i]


o viajante entreabriu a porta. a pouca luz que entrou contornou lentamente os objetos permitindo-lhe vislumbrar um pequeno banco em frente ao crepitar de umas chamas já fracas.
[não necessito de mais.]
abriu a porta apenas o suficiente para que corpo cansado passasse.
respirou o silêncio.
da bolsa tirou o pedaço de pão, as azeitonas e uma pequena navalha que lhe fora dada pelo pai no dia em que partira.
o cais de madeira onde pela madrugada, por entre a neblina do rio e o gazear das garças, o abraçara pela última vez, antes de embarcar, estava já longe.
[estaria ele bem?]
colocou um pedaço de pão à boca e de olhos postos nas chamas deixou que também a mente se deixasse invadir pelo silêncio.