07/04/2019

o nascimento do artesão [iv]


se tudo fosse uma bola de luz, que aos poucos endurecesse, depressa a luz se apagaria. há que partir [a bola] para que a luz volte a brilhar. a criação aprisiona, a destruição solta. a alma só é livre quando aprisionada com (sentimento).
[...]
que profano, olhar os pés sujos de barro descendo a escadaria branca de mármore que no meio do deserto se abriu rasgando a terra quente. primeiro o susto depois o espanto fechado em silencio, o fim da peregrinação, lenta de pés sujos de barro descendo ao ventre da terra. tanto branco, tanta luz, tantos pés.
[ele entre eles]
de olhos postos no branco que em tempos foi água gotejada (tão lentamente) e o que da água se fez pedra para receber o fogo que lhe moldou as entranhas (tão lentamente) arrefecidas para agora receber de branco os seus olhos, os seus pés sujos de barro e o seu querer chegar ao fundo.

[ele entre eles]

muitos. tantos

e a árvore sussurrou-lhe
[no princípio era o Verbo e do verbo, que era som em propagação, nasceu a intenção.
a intenção, que era boa, gerou a matéria por pressão.
a matéria é o canal que, em constante alerta, recebe a intenção da criação.
assim nasce o artesão
a mão reduzida quase a dígito com o mero propósito da pressão, foi em tempos toda ela sensação para que a matéria inerte incorporasse a essência (a alma).
o artesão tem como propósito materializar a essência (a alma)
mas a criação deixa de ser sua assim que a dá por concluída,pois desprendendo-se do criador liberta-se para dignificar o seu propósito.
o artesão deu-lhe um propósito por criação e uma essência (a alma) por emanação.]

o viajante ouviu e em silêncio sentou-se demoradamente debaixo da sua imensa copa branca de luz.
do alforge de pele tirou a navalha que lentamente acariciou com a ponta dos dedos e pela primeira vez, sentiu o beijo do seu pai.